16 junho 2014

Ajude-me

Estava escuro. Ele, então, não sabia dizer onde havia parado; tudo o que podia afirmar é que estava numa floresta. Um minuto atrás, deveria estar vagando sem rumo — não tinha memória exata do que fazia ou mesmo onde, mas a certeza de que era diferente do local apresentado era máxima. Se encontrou recostado numa árvore e, alguns metros depois, preso. Havia uma cerca arrodeando toda a área. Mesmo que tentasse averiguar o contrário, havia caminhado por um bom tempo, dando voltas, até se dar conta que não havia saída. Lhe passou a cabeça a ideia de quebrar a cerca, mas não havia como o fazer nem tinha como pulá-la.

Ligou novamente a lanterna que carregava consigo. Ela ainda estava em bom estado e deveria durar algum tempo, mas não colocou fé nela, visto que já tinha alguns anos de uso. Por fim, se não havia como pular ou arrebentar a cerca, tudo que lhe restava era vagar pelo local.

Parece aqueles jogos de terror, pensou, mas não estava muito grato em ser inserido em um. O que parecia por um minuto um simples jogo mental se tornava uma espécie de jogo de sobrevivência, o que não exatamente lhe deixava assustado ou excitado. O cenário também não era de ajuda: nem ao menos se lembrava de quando a noite começou a aparecer, além de que estar sozinho, apenas ouvindo o som de seus passos contra o chão e de sua respiração, era um complemento ao balançar das folhas contra a leve brisa.

Entretanto, não parecia ser apenas os seus próprios ruídos e a natureza. Era como se houvesse mais alguém respirando, produzindo um som abafado. Seja um companheiro também confuso ou não, ainda não havia se apresentado — ou mesmo deveria ser coisas de sua própria mente. Ele convenceu a si próprio que era apenas o barulho das folhas e continuou andando.

Balançou a lanterna de um lado para o outro, mas só o que haviam eram árvores, umas mais largas e outras mais finas, mas todas altas. Distraído, logo bateu de cara com algo, caindo no chão. Como tudo no local, era uma árvore, só que bem diferente. O espaço entre ela e as outras árvores em volta era maior, e ela era certamente mais larga. Ao levantar o rosto, também notou que ela não tinha folhas e seus galhos se espalhavam num formato esquisito. Apanhou a lanterna, que havia caído na grama, e se levantou, agora tateando a árvore. Até a textura parecia diferente. No momento em que chegara no outro lado dela, se deparou com uma surpresa: uma folha.

A folha era de um caderno. As linhas para escrever estavam lá, e um dos lados indicava que ela havia sido arrancada. Estava pregada na árvore, como se fosse uma pista ou uma simples localização. Ao invés de qualquer informação, o que havia na folha era uma mensagem, acompanhada de um desenho. Pareciam mais rabiscos, mas era legível uma frase que dizia “me deixe em paz”, num garrancho estranho, e a imagem de uma pessoa. Era estranha; alta, esguia e, o que mais lhe chamou atenção, não tinha rosto.

“Com uma letra dessa, deve ter sido uma criança” disse para si mesmo, tentando justificar a ausência de rosto. Imaginava que a criança devia ter esquecido de lhe dar uma face, e era provavelmente um desenho de um adulto que a incomodava. Ou melhor, devia ter sido só um desenho feito aleatoriamente por alguém que passara por ali. Ao invés de continuar levantando hipóteses, simplesmente guardou a folha consigo e continuou a caminhar.

Um pouco à frente, quase em linha reta, outra clareira se abriu; agora, não para outra árvore, mas para uma espécie de casa ou complexo. Poderia chamar de um complexo de banheiros, já que o teto era similar e ao entrar, se deparou com várias lajotas decorando as paredes. Era enorme — não chegou a contar, mas devia ter passado por uns cinco banheiros diferentes, apesar de eles sempre serem bem espaçosos, mesmo sem conter nada. Não havia nem um chuveiro, um cartaz, ou pessoa. A única coisa que avistara fora uma cadeira, jogada ao chão. No último cômodo que foi então, havia uma cadeira bem na ponta, dessa vez, não jogada. Sobre ela, outra folha, aparentemente igual a que encontrara na árvore.

Curioso, se aproximou para pegar a folha, que parecia realmente seguir o mesmo modelo da que coletara anteriormente. O mesmo garrancho bem marcado, o desenho estranho. O que mudava era seu conteúdo em si. Essa folha, então, dizia para não olhar por muito tempo ou “ele” lhe pegava, junto a ilustração do mesmo adulto. Como assim, pegar?, perguntava-se, mas, assim como a folha anterior, não se daria o trabalho de levantar especulações sobre como ou por que. Guardou a folha junto com a outra e se sentou um pouco na cadeira de madeira, cansado. Andar pelo local era cansativo, além de que levou um bom tempo checando se havia qualquer brecha nas cercas. Já estava ofegante, mas ainda nem correra — afinal, havia sido ao menos meia hora que andava.

Desligou a lanterna, deixando o ambiente quase totalmente escuro. Era bem mais medonho, mas o gasto da bateria deveria ser evitado, mesmo que tivesse medo que a lanterna não fosse ligar mais tarde. Aproveitou para descansar os olhos um pouco, e o barulho de respiração abafada que ele acreditava ser o vento se intensificou.

Talvez essas folhas sejam uma espécie de caminho até alguém, imaginou, esperançoso. Esse cara deve estar tentando me levar até ele com alguns desenhos infantis. Era melhor para ele pensar assim; permanecer só naquele local era assustador para qualquer um, ou ao menos qualquer um com bom senso. Se havia alguém ali ciente de tudo, então sabia como sair também. Deve ser uma espécie de teste.

Agora um tanto descansado, mas não totalmente, ele se levantou e saiu do complexo por uma das várias saídas que, por acaso, estava bem ao lado da entrada do cômodo em que obteve a segunda página. Ligou novamente a lanterna e adentrou a floresta, agora esperando encontrar outro dos vários papéis espalhados na área.

Para achar a terceira, então, levou mais tempo que simplesmente andar em frente. Andava, andava, e só via árvores e mais árvores. Algumas pareciam muito ligadas umas as outras, dando a impressão que eram uma única e que seu tronco era cheio e marcas, se mostrando até engraçado. Mas ele continuava a andar e como nada aparecia, as formações estranhas foram sendo esquecidas, assim como o barulho abafado que ouvia cessou. De todo modo, não pararia tão cedo. Não estava tão cansado quanto antes e a caça às páginas se tornariam um passatempo ali.

Logo, notou que havia andado em um círculo, e um tanto extenso. Conseguiu avistar o complexo de qual havia saído apenas alguns minutos atrás com certa pressa, mas apenas alguns metros depois, se de conta de que havia um conjunto de cilindros, os quais teria alcançado se tivesse andado em linha reta novamente. Suspirou, mas logo foi em direção aos cilindros, onde deveria achar algo. Haviam pelo menos seis, e todos estavam enferrujados assim como eram apoiados por baixos suportes. Todos eram pintados de um vívido amarelo junto a uma faixa vermelha, e levaria um tempo para checar todos eles.

Olhou cautelosamente em cada canto, e até embaixo dos cilindros, mas não encontrou nada de cara. Apenas após alguns minutos, quando já estava no quarto, achou mais a esquerda uma folha do mesmo modo. Velha, suja e com os mesmos garranchos. Estava escrito que “seguia”, novamente se referindo à figura esguia. Continuou segurando a página, e checou as outras duas. Elas não pareciam dar qualquer ideia ou enigma que pudesse ajudá-lo, nem conseguia associar nada. Não sendo de muita ajuda, guardou-as novamente.

Saindo da área dos cilindros, andando entre as árvores, percebeu sua lanterna piscando um pouco. Deveria ser normal, já que lhe parecia um milagre ela ter ligado novamente sem demora quando ainda estava no complexo, mas ela diminuiu sua intensidade consideravelmente, mesmo que pouco — ainda nada fora do esperado.

Andando e andando, já notara uma coincidência; sempre que algo que parece não pertencer à floresta aparecer, uma página facilmente será encontrada, claro, com a exceção da árvore macabra onde encontrou a primeiro, já que mesmo no seu formato estranho e o pedido por espaço, parecia provável que uma espécie diferente se formasse por lá. Mas dessa vez, ao invés de encontrar algo simplesmente andando em linha reta, levou mais tempo. Não parecia que ele havia andado em círculos vagamente como quando passou direto pelos cilindros, mas que realmente não havia mais nenhuma localidade estranha ali. Era de certo modo incômodo, mas também lhe fazia mais interessado em procurar por uma.

Novamente, localizou as árvores que se agrupavam de forma engraçada. Teria ele voltado para o começo? Elas estavam interlaçadas do mesmo modo, mas pareciam ter tamanhos diferentes das que encontrara da última vez, felizmente. A adrenalina vinda da ideia de encontrar mais alguém a partir de sua busca com certeza devia intensificar sua resistência, e se apressando uma vez ou outra, logo encontrou outro ponto onde provavelmente encontraria outra folha. Era um conjunto de quatro paredes, como se elas dividissem cômodos abertos. Numa vista de cima, formariam um sinal de mais feito de tijolos. Deu a volta pelas paredes procurando por algo, e até passou a mão em cima delas com esforço, pulando, mas nada de página.

Estranho, pensou, ainda passando a mão esperançoso. Deveria ter uma aqui.

Com certeza fora decepcionante — não havia nada ali a não ser as próprias paredes. A ideia de que era meramente uma distração foi cogitada, e ao invés de lamentar, continuou a andar. Com sorte, logo encontraria algo, do mesmo modo que a respiração abafada que havia cessado reapareceu. O modo como ela reapareceu repentinamente provocou um leve calafrio, mas ele continuou seu caminho. O ruído era erradicado com o pisar forte sobre a grama, junto ao seu sapato, que chutava sem dó qualquer pedra que aparecesse.

Uma vez ou outra, se dava uma rápida pausa para respirar um pouco; até o ar era denso, e a neblina o cegava, sem contar que sua visão parecia mais limitada toda vez que obtinha uma nova folha, se bem que devia ser apenas consequência do cansaço. Mas a busca, então, começou a fluir com mais facilidade. O que demorava tanto tempo para chegar às suas mãos começou a aparecer mais rapidamente, e logo um novo ponto apareceu ante ele.

Não era como os cilindros que avistara antes, mas parecia uma torre de tijolos que ultrapassava a altura das árvores em metros e à diante. Ao invés de chamar aquilo de uma torre, era bem capaz de algo ser extraído de lá, mas eram outras perguntas. Era até mais larga que a árvore que havia visto antes, e logo deu a volta procurando o que lhe interessava. Passou tateando, sentido a poeira acumulada, até alcançar a página alguns centímetros mais elevada que a altura de seu campo de visão.

Essa, agora, era a mesma figura, acompanhada de vários “nãos”, formando uma estampa por todo o material. Do mesmo modo, juntou aquela à todas que havia coletado e continuou a andar. Cada vez mais facilmente ele achava os locais que tinha de visitar; não muito longe, já encontrava um conjunto de pedras que formavam um vão entre elas. Recebeu outra página, e essa agora tinha dizeres pedindo por ajuda. Daquele modo, o homem esguio que aparecia em praticamente todas as páginas se tornava uma espécie de vilão, com a estranha ideia de que ele seria antipático com as tantas pessoas — ou melhor, as crianças com os garranchos marcados.

De um modo ou de outro, seguiu seu caminho. Se encontrou voltando para uma área próxima a que encontrara páginas no complexo de banheiros e nos cilindros amarelos, mas dessa vez, mais afastada e menos óbvia que os cilindros: o que alcançara fora uma espécie de túnel que não dava para lugar nenhum, como se fosse um tubo para levar esgoto, mas bem largo e que tinha sido cortado no meio, formando um abrigo muito mais escuro do que do lado de fora. Vasculhou toda a área externa primeiro, sem sucesso.

Desistiu e decidiu adentrar o local. Não havia admitido até agora, mas sua mão estava um pouco trêmula. Mesmo que quisesse as páginas, ainda tinha medo — talvez fosse instinto, mas não era só um jogo, afinal. O túnel era longo. Não tinha lá muitos metros, mas a luz da lanterna não alcançava até o final. Essa mesma, então, apagou.

O choque, então, chegou após alguns momentos. De primeira, apenas tinha se dado conta de que não havia mais iluminação, e havia emergido numa escuridão total, diferente da que provou no complexo. Não era proposital, e especialmente quando já estava no meio do túnel, a iluminação fraca do céu não chegava. Logo, tombou sobre seus joelhos e, desesperado, tentou liga-la novamente, mas nada acontecia. Uma respiração abafada se intensificou, assim como passos sobre a grama surgiram.

Cada vez mais perto, com mais força. Alguém andando por perto, se aproximando, e não tinha a mínima vontade de esconder sua presença. Não parecia alguém animado por encontrar um companheiro, nem uma desanimada de viver. Era calmo, relaxado, e sua respiração era intensa. Se aproximava por trás, mas a luz não ligava. Piscava, dava sinais de vida e logo desligava novamente, e alguém chegava mais e mais perto...

A luz, então, ligou de vez, sem falhar.

Logo que ela se tornou fixa, mesmo estando numa intensidade mais baixa — esperada, já que estava usando-a havia horas — , se virou e apontou o feixe de luz na direção dos ruídos que se aproximavam, e nada encontrou. Nada. Atrás dele só havia o local pelo qual havia entrado no túnel, ao chão, sua sombra, e na sua frente, a saída. Seus olhos rolaram de um lado para o outro, incrédulos; não podia ser verdade. Notara que os ruídos cessaram, e nenhuma presença o sondava, ou ao menos ele não pressentia.

Seu joelho ficara dolorido com a queda brusca, resultado da tristonha quase-morte da luz. Se forçou à se levantar, e continuou andando. Tateava paredes e, no final então encontrou outra página. Dessa vez não havia nada escrito, mas apenas um desenho como tantos outros. O homem esguio e sem rosto, junto a várias árvores, uma referência ao local, sem dúvida. Apanhou a página e guardou com as outras, voltando ao seu caminho.

Sua busca às páginas então voltava a seguir novamente. Lhe intrigava pensar que não sabia quantas páginas havia, mas, fossem quantas fossem, não deviam ser muitas. Contou seu total rapidamente, somando seis. Já era algo, mesmo para quem vagava já havia algum tempo — nem ao menos fazia ideia. Não carregava um relógio consigo, e o céu parecia não mudar nem um pouco: sempre se mantinha num gradiente de cores, enfeitado com estrelas, sem se alterar.

A próxima página estava já à uma distância considerável, mas nada muito difícil de encontrar. Um pequeno caminhão azul com uma carroceria, ou então ele identificava ser, e a folha estava pregada no lado esquerdo. Essa, então, devia ser a mais confusa. As inscrições indicavam que “sempre observa” e “sem olhos”. O desenho acompanhava uma cabeça sem qualquer rosto ou expressão, e na região dos olhos, dois X eram visíveis, descrevendo o mesmo homem sem expressão que era desenhado. Mesmo hesitando por um instante, logo arrancou a página e a guardou junto às outras. Sua lanterna já estava quase ao fim após tanto tempo em sua aventura, se assim poderia ser chamada.

Não tão longe, encontrou outro caminhão de mesmo porte, mas com outra cor da qual não prestou muita atenção. Próxima a ele, uma pequena construção que se mostrava praticamente um cubo se sobressaltava com um tom amarelo tão vívido quanto os dos cilindros. Checou o caminhão, mas logo notou a página pendurada próxima à porta do pequeno depósito. Ao invés de pegá-la, entretanto, decidiu esperar ao avistar alguém.

Entre as árvores, um homem alto, esguio, vestido num paletó preto bem ajustado aparecia. Ficou tão impressionado com as vestimentas que não notou seu rosto; de todo modo, ele se vestia de modo semelhante ao homem que tanto aparecia nos desenhos.

Deve ser o homem que estava tentando falar comigo, especulou, imaginando que ele realmente soubesse como tirá-lo de lá. Pensando de tal modo, se aproximou dele esperando ter uma boa discussão, ignorando a oitava página. Esta, então, com os dizeres “não corra”, assim como ele ignorava o fato do homem não ter rosto.



Fonte: Fanfiction

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